terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Guantanamo Bay

Como seres humanos do século XXI que somos(cidadãos só aos 18 malta) temos o prazer, embora pouco valorizado, de viver numa sociedade que anseia loucamente por ser perfeita. É a nossa sociedade que tão alto apregoa o direito à igualdade, à liberdade a todos os níveis e à busca livre pela felicidade; é a nossa sociedade que tão orgulhosamente veste as causas e as pretensões das minorias, fazendo com que cada um de nós, habitantes desta pequena caixinha cor de rosa, se sinta em êxtase contínuo e sem incómodos de maior que possam borrar este quadro tão idílico e...azul.


Contudo esta sociedade é simultâneamente a autora de um dos maiores atentados aos Direitos que defende afincadamente, a Prisão de Guantanamo, para muitos e principalmente para os seus "hóspedes", a reencarnação perfeita do Inferno bíblico no Mundo actual.


Esta Prisão conta actualmente com centenas de prisioneiros, variando a sua idade entre os 14 e os 60 anos, recebe prisioneiros de todos os cantos do Mundo com a única semelhança de chamarem Alá a Deus e de rezarem cinco vezes ao dia virados para Meca. Prisioneiros que são arrancados dos seus lares, algemados e vendados, e transportados em aviões militares secretos que atravessam a Europa em direcção a Cuba, onde se encontra o seu novo lar por tempo indeterminado, basicamente pelo tempo que os seus captores quiserem, já que não se encontram ao abrigo de nenhuma Lei pois a Constituição norte-americana não se aplica em bases militares e a Convenção de Genebra, criada para proteger os prisioneiros de guerra, também não se aplica nos chamados "terroristas" que não fazem parte de nenhum exército regular que proteja qualquer Estado.


Bastante engenhosa esta habilidade burocrática que permite que centenas de seres humanos sejam diariamente espancadados, eletrocutados, torturados com técnicas que fazem lembrar a Idade Média como o afogamento simulado, sejam mantidos durante horas a fio ao sabor do calor e do impiedoso Sol cubano sem mexerem um milímetro até se tornarem personagens principais em séries de fotografias que inundaram os meios de comunicação em que os prisioneiros são presenteados com a urina e o gozo alegre dos marines norte-americanos, ou "embaixadores da Democracia" como são chamados tantas vezes.


Este foi também um dos temas da campanha Presidencial Norte Americana, com o actual Presidente Obama a considerar e a colocar o encerramento da Base de Guantanamo como uma prioridade caso fosse eleito, mas é agora noticiado nos meios de comunicação internacional que o encerramento da Base foi esquecido como moeda de troca ao apoio Republicano na reforma da Saúde e planeia-se ainda abertura de uma Prisão de Alta Segurança no Illinois para permitir o descongestionamento de Guantanamo, que assim continuará a funcionar em pleno.


Consideramo-nos perfeitos. Consideramo-nos os pioneiros a garantir que a Vida é protegida e respeitada com dignidade. Chegamos a considerar-nos os guardiões morais da Democracia e do Estado de Direito e os libertadores dos povos oprimidos que se multiplicam por esse mundo fora mas não somos mais, nada mais, que uma bela fachada de um prédio histórico de Lisboa, bonita e imponente, altiva e orgulhosa, mas a pequenos segundos de ruir, corroída na sua fundação e no interior e que ninguém vê. Perfeita até se desmoronar como um pequeno castelo de cartas.


Que cada um de nós se erga orgulhoso das conquistas que a Humanidade já alcançou no campo dos Direitos Sociais mas sedento pela sua defesa e consolidação, contra os Guantanamos e Al-Grahibs deste Mundo. Iguais por dentro e por fora!






5 comentários:

Daniel Albino disse...

O maior erro da democracia Ocidental é a ignorância, não no sentido lato associada a uma ideia de burrice crónica, mas relacionada com o desconhecimento e a indiferença com que durante muito tempo, demasiado tempo, se encarou regimes de inspiração islâmica. Se por um lado a ideia de 'donos do Mundo', encarada primeiro por Europeus, depois por Americanos impediu uma visão clara sobre outras culturas, por outro a visão histórica personifica a 'outra' face da mesma moeda. Durante muito tempo exigimos ao Mundo uma veia Cristianizante, sejam os Cruzados que expulsaram os Muçulmanos do território Europeu, sejam os Navegadores que tinham como um dos objectivos alargar a fé cristã. E em consciência não podemos ignorar tudo o que é a nossa herança cultural, se tivemos o direito de impor aos outros um conjunto de valores e ideais, que ‘moral’ temos agora de negar ou impedir um expansão islâmica? Certamente que os tempos são outros, não vivemos num período de conhecimento menor. A globalização impõem-se! Ainda assim desconhecemos, ignoramos e ‘desrespeitamos’ um Mundo que durante demasiado tempo oprimimos. Conhecer, e acima de tudo, compreender o Terrorismo é encarar um modo de vida que não é o nosso e compreende-lo não é uma vez mais [tentar] altera-lo.

Raquel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Raquel disse...

Onde pára "DEUS"? No trono, na Europa, e em todo o Norte Americano, acredita-se no Mundo como um lugar perfeito. Vivemos numa PAZ imperturbável, e pensamos que essa paz rodeia todos os lugares do Mundo, mas estamos redondamente enganados.
Recorremos ao Mundo civilizacional, legado Europeu de forma a assegurar a supremacia do 'Norte', esquecemos por vezes que não vivemos numa ilha em que apenas contamos com o que vemos.
Muito longe dos nossos olhares e longe da vista de "Deus" está este inferno denominado de Guantanamo, onde a lei não existe, mas que os condenados são regidos segundo esta. Contraditório parece-me.
Obama revelou na sua campanha que encerraria a base de Guantanamo, porém outros interesses falaram mais alto e os direitos de dignidade humana foram esquecidos.
É curioso e um tanto irónico saber que um dos mais antigos países democráticos se encontra com problemas deste nível, em que os direitos e as liberdades fundamentais não são respeitadas

Inês Francisco Jacob disse...

Nem vale a pena, talvez valha até, voltar a comparar Guantanamo ao Inferno. À semelhança desta prisão loucamente viva, se bem que não prezando propriamente a vida, ninguém anseia visitar o Inferno, ninguém anseia saber de que ele é feito, como é, o que tem. Ninguém quer saber do Inferno, isso é claro. E, sobretudo, nem todos sabem o que lá ocorre. Nem todos sabem da sua existência. Nem todos sabem do seu corpo e dos seus actos. Nem todos acreditam poder haver um Inferno, hoje, no solo terrestre.
Talvez mais pessoas, das que valem também a pena, devessem alertar a população, de todo o Mundo, para esta situação. É porque a mim, parece-me, é algo que se conhece somente o cume do icebergue, apenas a pontinha mais alta – o resto está submerso. Não estamos, nesta ilha protegida e bela onde vivemos, a par de imensos assuntos e factos. É como se fossem segredos, muito bem guardados, e ninguém, excepto um pequeno grupo de pessoas, soubesse ou pudesse sequer saber o que ocorre lá. Estamos presos a este arco-íris, e depois, o que se passa fora deste círculo, é pó, e é medo, e é indiferença.

«O fato dos americanos
Desrespeitarem
Os direitos humanos
Em solo cubano
É por demais forte
Simbolicamente
Para eu não me abalar»
C. Veloso;

Infelizmente, a existência de prisões veio para ficar. No entanto, como é possível, a sério, como é possível em plena Era moderna, onde (quase) tudo e todos são vigiados, onde a pegada de cada indivíduo pode desencadear uma avalanche, onde a liberdade devia ser já um tijolo presente na parede de cada casa, existirem ainda mil atrocidades em Guantanamo e em outras instituições do género? Eu questiono é quantos direitos são levados à prática, porque pela audição dos relatos e pela observação de fotografias, não é possível presenciar um único direito humano que seja! Uma única garantia, uma réstia de liberdade! Parece-me, à semelhança do que o Homem faz e fez com os animais, que a situação se inverte, neste momento.

Inês Francisco Jacob disse...

Pois, para falar a verdade, não serão os reclusos de Guantanamo (mal)tratados quase como animais e seres irracionais, não merecedores de nada?
É algo vergonhoso, embaraçoso, temível, e, acima de tudo, infinitamente triste.

Castigar e punir não são verbos sinónimos de maltratar exacerbadamente e discriminar de forma brutal e corrupta.
Abram-se e esfreguem-se os olhos dos cidadãos do Mundo, pois Guantanamo não é celestial nem faz parte de outro Universo ou constelação – é já ali, ao lado, perto.